UM CERTO TELEGRAMA

Era uma linda manhã de sol. A primavera resplandecia lá fora e os jacarandás floridos cumprimentavam os sabiás que, por sua vez, pareciam brincar de esconde-esconde. Seria um dia comum de sexta-feira, não fosse um telegrama que acabara de receber. Para minha surpresa, a dita correspondência marcava um encontro, que seria do meu máximo interesse, à tardinha, mais precisamente às 17hs, próximo ao parque da cidade, numa pequena e aconchegante casa de chá onde são servidos deliciosos doces, segundo já tinha ouvido falar.

Entretanto, o que me deixava intrigado e, ao mesmo tempo, curioso é que não havia remetente na correspondência, embora parecesse, pelo texto, alguém muito familiar e gentil. Passei o dia realizando minhas atividades habituais, ainda que aumentasse cada vez mais a curiosidade em descobrir quem teria me mandado este convite e o que teria de tão importante para me contar.

As horas pareciam passar com mais vagar, mas era chegada a hora do encontro. Lá estava eu, pontualmente, às 17hs, sentado à mesa da acolhedora casa de chá, um pequeno salão decorado com muita singeleza e bom gosto. Toalhas impecavelmente brancas e muito bem passadas recebiam a louça igualmente branca com filetes dourados, e cadeiras de madeira vergada completavam a decoração do ambiente. A proprietária, uma senhora estrangeira, muito atenciosa, veio prontamente me atender: -Boa tarrde? Tudo bom? A senhor gostaria de provarr um torta húngara recém saída da forno? Explicou que era de descendência européia, o que se percebia pelo sotaque carregado. Fazia as receitas da sua família da mesma forma como eram feitas pelos seus antepassados, disse cheia de orgulho. Agradeci a sua amabilidade e, já com água na boca, lhe disse que, assim que chegasse a pessoa que estava esperando, seria um prazer e uma satisfação provar esta torta de origem tão distante.

Mal acabara de falar com a querida senhorinha, e se aproximou de mim uma linda e elegante senhora, beirando os 50 anos, de feições doces, de sorriso franco e de gestos delicados - vestindo um traje de seda verde, bolsa e sapatos de salto alto de couro bege e um chapéu de abas largas, que me perguntou se poderia sentar-se à mesa. Respondi que sim. Tão logo se acomodou, apresentou-se como a remetente da correspondência e foi logo dizendo: - Você não me conhece, muito embora já tenha ouvido falar de mim. Entretanto, completou, eu lhe conheço a muito tempo e, não fosse a minha vida corrida, já teria vindo lhe falar.

Quanto mais aquela linda e gentil senhora falava, mais aguçava minha curiosidade em saber quem poderia ser. Seria alguma amiga da família? Quem sabe uma prima distante? Não fazia a menor ideia. Antes de continuar a conversa, pedi à proprietária da casa de chá que nos trouxesse duas fatias daquela torta especial e dois refrescos bem gelados, já que naquela tarde fazia bastante calor. Enquanto começamos a saborear as delícias trazidas, um rocambole de maçã com nozes, acompanhado de nata, cujo nome era impronunciável, e um refresco de framboesa bem gelado, a bela senhora disse que há 38 anos me conhecia e acompanhava, à distância, a minha trajetória. Disse que sabia dos meus erros e dos meus acertos e que tinha conhecimento, principalmente, da minha vontade em conhecê-la.

Com uma cara indisfarçável de interrogação, a olhei firmemente nos olhos. Também me olhou nos olhos, deu um sorriso e falou: - Eis-me aqui! Finalmente tenho a oportunidade de lhe conhecer pessoalmente e de lhe dizer que, se o seu desejo era de me encontrar, pode estar certo de que também estou realizando uma vontade antiga. Tenho andado muito por aí me apresentando para as pessoas, trazendo um pouco de magia e colorido para suas vidas. Ah, desculpe, disse ela, meio envergonhada e percebendo que eu ainda não fazia a menor ideia de quem poderia ser. - Sou a Sra. Felicidade, muito prazer! Já não era em tempo de lhe fazer uma visita! Venho, disse ela, lhe informar que em breve você irá conhecer uma pessoa muito especial: talentosa, gentil, empreendedora, doce e sincera, que vai lhe trazer uma sensação de bem-estar, de aconchego e de cumplicidade. Não vou entrar em mais detalhes para não atrapalhar o doce e encantador sabor da descoberta. Só mais uma dica, completou. Irão se conhecer de uma forma muito despretensiosa e improvável, disse sorrindo. - Como? Perguntei, curioso. - Não posso antecipar os acontecimentos, dê tempo ao tempo, é o que posso lhe dizer. Gostaria de poder continuar aqui, mas como você sabe, tenho muitos encontros ainda e, por isso, tenho que colocar o pé na estrada novamente. Ah, antes que me esqueça, diga para a senhorinha, a dona do estabelecimento, que raramente provei algo tão delicioso quanto essa torta que você, gentilmente, me ofereceu. Só mais uma coisa, antes que eu vá, este é apenas nosso primeiro encontro e, agora que nos conhecemos, com certeza, nos veremos com mais frequência, tenha isso em mente.

Levantou-se, me estendeu a mão e saiu porta afora com a mesma luminosidade e leveza com que havia entrado. Ainda absorto, surpreso e inebriado com o encontro, paguei a conta e parabenizei a dona da confeitaria pela excelente experiência gastronômica que tivemos. Gentilmente, a senhorinha me acompanhou até a porta e me disse que voltasse sempre.

Daquele dia em diante, sigo levando a vida do mesmo jeito de sempre, aguardando os acontecimentos e, desde então, me pego a pensar se tudo não teria passado de um sonho ou se, efetivamente, foi realidade tal telegrama e o meu encontro com aquela senhora tão reveladora.